Do que você abriu mão nesta Quaresma? Esta pergunta me pegou de surpresa. Sou brasileira e quando me perguntam qual minha religião respondo automaticamente que sou católica. Mas a verdade é que sou católica por tradição, não por exercício rigoroso da religião.
No Brasil 130 milhões de pessoas são católicas, ou seja, mais de 68% da população se declara católica, o que faz do Brasil a maior comunidade Católica Apostólica Romana do mundo. No entanto sociólogos especializados em religião veem o catolicismo no Brasil mais como tradição do que prática religiosa propriamente. Apesar de ser comum para brasileiros batizarem seus filhos e casarem-se na igreja católica, apenas 20% frequentam as missas, fazem confissão e participam das atividades da igreja. Portanto, o Brasil tem também o maior número de católicos culturais no mundo, este é o termo que a igreja usa para identificar católicos que só participam de missas em ocasiões especiais, como Natal, Páscoa, casamentos, funerais e missas de sétimo dia.
Os Estados Unidos tem o maior número de grupos religiosos do mundo, mas a maior parte dos americanos se identificam como cristãos, na sua maioria protestantes e católicos, representando respectivamente 51% e 21% da população. As religiões não cristãs (judaísmo, islamismo, budismo, hinduísmo, etc.) representam entre 3,9% a 5,5% da população americana adulta, e 15% dos americanos dizem não ter crenças ou afiliações religiosas. De acordo com uma pesquisa de identificação religiosa, entre os estados americanos que fazem parte do “Unchurched Belt” (cinturão sem igrejas) região mais a oeste do país onde a participação religiosa é baixa, 59% da população diz acreditar em Deus, já no “Bible Belt” (cinturão da bíblia) que compreende os estados do sul dos Estados Unidos, 86% da população acredita em Deus.
O protestantes americanos estão distribuídos em várias afiliações distintas, o que faz do catolicismo a maior denominação religiosa dos Estados Unidos. De acordo com um estudo de 2011 do Centro de Pesquisas Aplicadas da Universidade Apostólica de Georgetown, existem hoje 77.7 milhões de católicos nos Estados Unidos. Portanto o país é o quarto colocado em número de católicos no mundo atrás do Brasil, do México e das Filipinas.
Aqui onde eu moro na Geórgia (estado ao sul do país que faz parte do Bible Belt) posso dizer, sem correr o risco de exagerar, que temos uma igreja a cada três quarteirões. E são de todas as religiões e denominações possíveis. Temos igrejas católicas coreanas, hispânicas, chinesas, brasileiras, e etc., templos mórmons, budistas, hindus e etc., sinagogas, mesquitas, enfim não importa sua religião você encontrará alguém da sua tribo aqui, e todos coabitam. Algumas ruas chegam a ter uma igreja ou templo distinto em cada quarteirão, juro que não estou exagerando. O único lugar no Brasil onde eu vi tantas igrejas assim foi em Salvador, na Bahia.
Descobri portanto que sou uma católica cultural, vivendo entre pessoas que levam suas religiões muito a sério.
No Brasil a maioria de nós, católicos culturais, somente abrimos mão de algo na Sexta-Feira Santa, e substituímos este algo, a carne, por peixes e frutos do mar, o que no fim das contas não implica em sacrifício nenhum, a não ser que você seja alérgico. Claro que não estou falando do simbolismo do corpo de Cristo (Pois é, eu conheço bem a retórica da igreja católica, pois estudei em colégio de freiras onde tive aulas diárias de religião até a oitava série.), mas do sacrifício pessoal, que o bacalhau não cobre.
Aqui os católicos escolhem algo pessoal e significativo para deixar de consumir ou fazer, desde a Quarta-Feira de Cinzas até o Domingo de Páscoa, quando então se reúnem para fartas refeições sendo o presunto defumado, que chamamos de tender no Brasil, a atração principal. Eles também evitam consumir carne, não apenas na Sexta-Feira Santa, mas todas a sextas-feiras da quaresma, e as escolas oferecem cardápios especiais aos católicos durante a quaresma respeitando esta tradição.
Vivendo aqui eu passei a observar o catolicismo sendo praticado de outra maneira, muito mais conservadora que a minha. E notei como isso afeta a política americana de forma questionável, pois acredito em separação entre estado e religião, e sou a favor do planejamento familiar, entre outras coisas. Mas voltando a questão que inspirou este post, quando me perguntaram qual meu grande sacrifício da quaresma, sem saber o que responder, simplesmente disse:
– Meu marido viaja a trabalho 40% do ano. Isto conta?
A minha nova amiga catoliquíssima disse que sim. Ufa! Estou salva! Ah, hoje aqui em casa é dia de bacalhau, e o meu marido está viajando a trabalho.