Poligamia

Nos Estados Unidos a poligamia é praticada livremente por membros fundamentalistas da religião Mormon. Apesar desta prática ser contra as leis americanas, eles dizem que ela faz parte dos seus direitos de exercer livremente suas crenças religiosas. A liderança da religião condena a união de um homem com várias mulheres, e chega a excomungar quem segue praticando valores fundamentalistas. Já os fundamentalistas criticam os Mormons que seguem as novas regras estabelecidas em 1890. Eles dizem que esta não foi uma decisão baseada nos valores da religião, mas sim na aceitação da pressão da sociedade em geral. Hoje nos Estados Unidos, os Mormons são mais de 14 milhões, 20 mil deles se autodenominam fundamentalistas, e estima-se que 15 mil ainda pratiquem a poligamia. De um jeito ou de outro, os seguidores da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias ainda são estigmatizados pela sociedade, por ter suas raízes vínculadas a este costume.

O tema controverso atrai telespectadores, e dois shows já foram produzidos para a TV. O fictício Big Love – Grande Amor, mostra a relação de um Mormon poligamista com suas três mulheres. E o chocante Sister Wives – Esposas Irmãs, é um reality show sobre uma família onde um homem é casado com três irmãs.

Ano passado os Fundamentalistas da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias tiveram que parar e rever certas liberdades “religiosas” quando o “profeta” Warren Jeffs foi preso por estupro e pedofilia. Condenado a prisão perpétua ele segue tentando controlar seus 10.000 seguidores que vivem em duas cidades vizinhas na divisa entre Utah e Arizona. No fim do ano passado, de dentro da cadeia, ele enviou ordens à sua comunidade mormon fundamentalista para que todos parassem de fazer sexo. Em junho deste ano ele emitiu nova ordem dizendo que 15 homens, que Deus escolheu, devem ser os pais das novas gerações da comunidade. Os maridos devem parar de ter relações com suas esposas, que devem ficar disponíveis a estes 15 homens. Os maridos serão simplesmente responsáveis pelo sustento e pela criação das novas gerações. As autoridades dizem que este é um gesto desesperado de Jeffs, para manter sua relevância entre os fundamentalistas, mas surpreendentemente dentro da comunidade seus seguidores continuam acatando suas ordens.

Quando cheguei aos Estados Unidos e tomei conhecimenbto da existência destas comunidades onde a lei e a justiça dão lugar ao fanatismo, e onde abusos como estes levam anos para serem investigados e processados, e bandidos como Jeffs seguem dando ordens absurdas de dentro da prisão, fiquei chocada. Imaginem minha reação ao ler o artigo da BBC Brasil hoje sobre “união estável de três“. Seria interessante que a tabeliã da cidade de Tupã se familiarizasse com as ramificações de suas declarações:

“O fato de eles viverem de tal jeito não afeta a minha vida, é a liberdade privada deles. Gostaria que fosse muito simples: você vive como quer, do jeito que quer, não afeta a vida dos outros, e ninguém tem que se intrometer. Mas a realidade no Brasil, como nós sabemos, não é essa”, diz a tabeliã de Tupã.

“No Brasil ainda se pensa muito de forma individual. Se algo não é bom para mim, não é bom para ninguém. Tudo bem, eu continuo não querendo para mim, mas eles não me afetam, vivendo em três, ou em cinco. Agora me afetam, por exemplo, quando fazem de conta que têm um casamento maravilhoso mas têm dois amantes, três amantes. Isso me afeta, fazer de conta que não sei”, complementa.

Ver uma tabeliã pensando exclusivamente em seus valores pessoais e não como uma relação destas pode afetar suas vítimas, como as crianças, fruto de tais relações, assim como as jovens forçadas, muitas vezes por falta de recursos, a tais relacionamentos, me chocou tanto quanto as comunidades fundamentalistas Mormons.

Para quem lê em inglês este ótimo artigo “Is Sister Wives hiding the disturbing truth about polygamy?” oferece alguns pontos para reflexão. Neste texto, Sam Brower, que é detetive particular e fez sua carreira ajudando vítimas das Comunidades Fundamentalistas da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias fala, não apenas das meninas vítimas de abusos, mas dos meninos que ao atingirem a adolescência passam a ser considerados concorrentes dos homens com várias esposas adolescentes, e são banidos das comunidades. Qualquer semelhança com animais irracionais, que mantém várias fêmeas, e matam os concorrentes, não é mera coincidência.