“Vestibular” Americano

“Vestibular” Americano – Jovens Brasileiros São Bem Vindos

Não sei como anda o vestibular no Brasil com o Enem, mas estou descobrindo o processo que os jovens americanos enfrentam para entrar numa faculdade nos Estados Unidos com fascinação.

Enquanto no Brasil o sistema é 100% acadêmico, pelo menos era nos meus tempos de vestibular—no fim dos anos 80; nos Estados Unidos usa-se o que eles chamam de Processo Holístico. Não se leva em consideração apenas o resultado de testes, mas sim o conteúdo de dissertações sobre temas da atualidade, e outras de conotação pessoal do tipo: “Por que você acha que essa é a universidade certa para você?” Também são solicitadas cartas de recomendação, e detalhes sobre suas atividades extracurriculares. Bons atletas, músicos, bailarinos, cantores, atores, escoteiros, etc. devem expor estes aspectos de suas vidas. Atletas são particularmente bem vindos, chegando a receber bolsas de estudo integrais. Jovens músicos que tocam instrumentos clássicos como violino, viola, oboé, etc. também são bastante cogitados, dependendo da sua habilidade. Sem falar em intermináveis questionários online onde entram-se detalhes da vida inteira.

Outra diferença bastante interessante refere-se aos testes. No Brasil, no meu tempo, para cada universidade (university) ou faculdade (college) o jovem precisava passar por uma bateria de testes. Se você quisesse tentar entrar em 8 (oito) faculdades, tinha que participar de 8 vestibulares, ou prestar 8 vestibulares, e tinha que passar por 8 testes diferentes, sendo que alguns deles envolviam mais de uma fase. Nos Estados Unidos, os jovens escolhem entre dois testes padronizados, o SAT e o ACT (ambos oferecidos por companhias independentes), sendo que faculdades de elite (chamadas Ivy League, como Harvard, Yale, Princeton e Stanford entre várias outras), e de ciências exatas em geral, exigem o ACT. Além destes testes que cobrem inglês, matemática, e análise de dados, também são oferecidos testes específicos para matérias como química, biologia, física, história, e idiomas estrangeiros. A grande vantagem deste sistema é que os jovens fazem testes relacionados aos seus interesses. Assim, se o objetivo é entrar numa faculdade de engenharia, não é necessário fazer teste de história, por exemplo. Os jovens fazem os testes que enriquecerão seus currículos de acordo com as faculdades para as quais querem se inscrever. E usam os mesmos resultados para todas elas. É bastante prático. Faz-se os testes, e no website da empresa que os organiza marca-se as faculdades e/ou universidades para as quais se pretende “prestar”, e todas recebem formulários pelo correio no seu nome, com os seus resultados.

Outro aspecto que eu estou achando muito bacana sobre esse sistema é que respeitando-se um intervalo, que varia de acordo com o teste, pode-se repetir os testes quantas vezes se desejar. Por exemplo, se o resultado do ACT na primeira tentativa oficial não foi satisfatório, tenta-se de novo em alguns meses. As faculdades que estão na sua lista verão todos os resultados, mas dentro de um certo número razoável de tentativas (digamos no máximo três num período de um ano), elas apreciam o esforço dos jovens em estudar, e registram seus melhores resultados em cada matéria, e em cada teste, no processo final de avaliação. Isto sem contar a chance de se fazer os testes nas datas oficiais sem que se registrem os resultados oficialmente, estes são chamados testes preparatórios ou Prep-SAT (PSAT), por exemplo. Pode-se fazer Prep-Tests para todas as matérias nas datas oficiais, basta marcar a opção prep na hora da inscrição. Alguns jovens começam a fazer pre-tests na oitava série para saber em que matérias eles precisam se dedicar mais e para quais matérias eles tem uma aptidão natural.

Pronto, fácil fácil, basta ter excelentes notas que todo o mundo fica sabendo.

Currículo, porém, é a palavra-chave. O processo americano mais parece o de construir um currículo vitae onde os jovens descrevem capacidade intelectual, interesses, habilidades e experiências de vida. Não basta, de longe, ser bom aluno e se sair bem nos testes padronizados, tem que ter algum talento especial ou interesse ao qual se demonstra compromisso de anos, e alguma estória de vida para contar.

Vamos começar com o tal do interesse, é por aí que se começa a compreender a verdadeira obsessão dos pais americanos com associações, voluntariado, clubes esportivos de bairro, artes, etc. etc. Como dizemos no Brasil, é de pequenino que se torce o pepino, pois é, gracinhas a parte, é logo entre 4 e 6 anos que as crianças americanas, de pais bem informados, começam a praticar esportes como natação, futebol americano (aquele que se joga com as mãos) e o nosso tradicional de bola no pé que aqui chama-se soccer (daí o termo, tradicionalíssimo, soccer-mom – mãe que leva filho para cima e para baixo por conta de atividades extracurriculares), balé, tênis, reuniões de escoteiros, coral musical, orquestra, banda, clube de xadrez, de debate, de soletrar, de desenhar, de inventar (falando sério, chama-se “makers” ou uma variação de criadores em inglês, começa com lego e vai ficando cada vez mais sofisticado até chegar a robótica, tem até robô de lego), enfim, as opções são inúmeras. Isso é bacana, pois existem atividades para todas aptidões e personalidades, mas por outro lado, pode ser bem complicado para se decidir ao que se dedicar. Todos sobrevivem, porém, e após alguns anos batendo cabeça entre várias atividade, lá pela sexta série, a primeira do ginasial (middle school) as crianças com alguma aptidão particularmente especial já foram identificadas. Tipo aquele molequinho que logo na terceira aula de natação já colocava duas piscinas na frente dos coleguinhas, pois é, acontece mesmo que eu vi, ninguém me contou. As outras crianças que não nasceram com guelras, também já descobriram que curtem ser escoteiras, ou voluntariar no banco de alimentos da cidade, ou desenhar, dançar balé, tocar violino, etc. Se o jovem é absolutamente fantástico em alguma coisa, pode ser que consiga uma bolsa de estudos pelo menos parcial. Mesmo que esse não seja o caso, se a atividade que se gosta for levada com compromisso e seriedade, tipo voluntariar por uma ou duas horas toda semana por anos (algumas escolas, e com certeza os pais, ajudam as crianças a encontrar organizações adequadas para cada idade), o resultado é uma estória de dedicação que fica muito bonita no currículo dos jovens vestibulandos.

Ótimo, você diz, entendi tudo: boas notas no histórico escolar, boas notas nos testes padronizados, e alguma atividade, ou com sorte talento atlético ou artístico, beleza, peguei o jeito da coisa. Ainda não.

Agora vem o detalhe que fecha o currículo ideal, a tal experiência de vida. Por favor, me diga, que experiência de vida para contar tem o jovem de dezessete-dezoito anos, de classe média, numa sociedade relativamente segura, e que cresceu protegido pelos pais? E esse é o grande mistério das dissertações para se entrar nas faculdades e/ou universidades americanas, e que faz com que o processo seja um tanto turvo. Minhas filhas não terão problemas nesse quesito. Através da nossa vida de nômades elas viveram em três continentes, e mudaram de escola tantas vezes, que têm estórias para contar até demais. Porém, tenho muitos amigos americanos cujos filhos não conseguem entrar nas faculdades que gostariam por conta desse fator. A boa notícia para os brasileiros é que o ser brasileiro conta como algo interessante para se explorar numa dissertação. Portanto, jovens brasileiros estudiosos e talentosos, não se acanhem, as universidade americanas estão interessadas em vocês. Se você fala inglês fluentemente e tem condições de bancar os custos de tal empreitada, suas chances de entrar na faculdade americana da sua escolha, incluindo “Ivy League”, são maiores que as chances dos jovens americanos de classe média. Mas se você pensa em estudar no exterior, deveria considerar também a Alemanha que recebe estudantes fluentes em inglês com boas notas, e oferece curso universitário gratuito para estrangeiros.

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