Meu Primeiro Dia de Ação de Graças “Americano”

Apesar de eu ter mudado com meu marido para os Estados Unidos em Dezembro de 1997, durante nossos primeiros seis anos no país vivemos na Flórida, onde a maioria dos amigos que fizemos eram latinos. Portanto, nossos Dias de Ação de Graças eram passados entre mexicanos, cubanos, porto-riquenhos, etc., numa mistura de culturas e tradições familiares diversas. Sim, era servido peru assado, mas com sabor de América Latina. E os acompanhamentos variavam de “guacamole” e “feijões refritos” a “torta de choclo” e “plátanos”. E como todo latino é exagerado, não ficávamos só no peru, não, alguém trazia um pernil assado, e sempre havia “arroz com pollo” e umas “papas rellenas”. Somente quando nos mudamos para Atlanta em 2006, foi que eu participei do meu primeiro jantar de Thanksgiving tradicional americano.

Na mudança para Atlanta contamos com o apoio de um velho amigo do Flavio, que muito gentilmente, nos preparou uma pasta com informações sobre a região onde moramos. E assim que chegamos ele e sua mulher nos convidaram para um brunch em sua casa. Quando chegamos fiquei encantada com o capricho da nossa anfitriã, estava tudo tão lindo. Já havia frutas, em camadas com iogurte e cereais, servidas em taças de cristal sobre a mesa, que ela havia decorado com toalha bordada, porcelana fina e talheres de prata.

A minha filha mais velha tinha sete anos e a pequena apenas três. Você acha que eu consegui relaxar para desfrutar daquilo tudo? Claro que não. Eu fiquei em cima delas durante toda a visita, pois como o casal já tinha os filhos adultos, e nenhum neto ainda, além da mesa elegantemente servida, toda casa era muito bem decorada com lindos objetos sobre todas as mesinhas de centro e canto. Lembro de passar boa parte do tempo caminhando atrás da pequena, enquanto mantinha o ouvido na minha mocinha que conversava animada com a anfitriã, mas no fim tudo deu certo, ambas portaram-se bem, e eu voltei para casa aliviada.

Retribuímos o brunch com um jantar simples, porque nossa mudança foi entregue pela metade, e o segundo container só chegaria em três meses, pois havia sido enviado para a China por engano. Eu conto essa estória em outro artigo. No momento basta dizer que eu retribui um café da manhã servido em porcelana e cristal, com um jantar servido em descartáveis, porque meu marido insistiu que não podíamos deixar passar muito tempo sem retribuir a gentileza deles. Em minha defesa, preciso salientar que fiz o que pude. O importante é que durante o jantar aqui em casa, nós fomos convidados para o jantar de “Thanksgiving” na casa deles. E eles perguntaram para a minha mocinha se ela gostava de peru. E a fofa disse:

– I love turkey. Eu amo peru.

Assim mesmo, nos dois idiomas, bem enfática.

Pelo cuidado que eles tiveram quando serviram o brunch, imaginei como seria o jantar de Thanksgiving na casa deles, e mesmo assim me surpreendi. A decoração da casa havia sido incrementada com detalhes outonais, e móveis tinham sido remanejados para acomodar uma mesa gigante em forma de T que ocupava todo o espaço da ampla sala de jantar. E a família inteira deles estava presente, todos muito simpáticos, e adultos, nenhuma outra criança além das minhas meninas. Ninguém para nos solidarizarmos nos momentos embaraçosos.

A primeira coisa que nossa anfitriã disse após as apresentações de praxe foi:

– A Giulia adora peru. Venha Giulia, vou te mostrar seu prato favorito.

E lá estava, sobre a ilha da cozinha, o peru assado, pronto para ser servido.

A fofa não decepcionou, passou as mãozinhas sobre a barriguinha, fez carinha de entusiasmo e disse:

-Estou morrendo de fome.

Aguardamos a chegada de um casal de sobrinhos e então nos pusemos a transportar travessas de acompanhamentos típicos à mesa, purê de batatas e batatas doces assadas, gravy, legumes sauté, geleia de cranberry, cestos de pães, e o famoso peru. Quando fomos nos sentar, descobrimos que haviam nos dado a base do T, com dois banco altos para as meninas na ponta, o Flavio e eu, um de cada lado delas, tudo muito prático e bem pensado para cuidarmos das pimpolhas. Nessa disposição, a Giulia ficou bem de frente para o casal que sentou-se no meio da mesa do lado oposto de onde estávamos.

Nosso anfitrião levantou-se, destrinchou o peru e todos começamos a passar os pratos de mão em mão servindo o que estivesse a nossa frente na maior animação, tipo jantar em família, até que todos tivéssemos um pouco de tudo a nossa frente. Foi feita uma oração em agradecimento as nossas bençãos e começamos a comer. A Giulia atacou o purê de batatas com entusiasmo, e num destes momentos mágicos, onde várias coisas acontecem ao mesmo tempo, e precisamente quando não deveriam, a mesa ficou em silencio com todos mastigando, ela provou o peru, e nossa anfitriã perguntou em voz alta para ser ouvida desde o outro lado da mesa:

– Você está gostando da comida Giulia?

E ela respondeu igualmente em voz alta, praticamente gritando:

– O purê está bom, mas eu não gostei do peru não, eu prefiro o da minha mãe.

Geleia de Cranberry

Caro leitor(a), acho que fiquei da cor da geleia de cranberry.

Thanksgiving – Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos

Este é o feriado nacional mais celebrado nos Estados Unidos. Apesar do nome parecer indicar uma data religiosa, esta é na verdade uma celebração histórica. Todos os americanos, independente de suas religiões, comemoram a primeira colheita de sucesso dos peregrinos do Mayflower.

Em 1621, os colonizadores de Plymouth e os índios Wampanoag compartilharam uma “festa da colheita de outono” que é reconhecida hoje como uma das primeiras celebrações de Ação de Graças na colônia americana. Por mais de dois séculos, o Dia de Ação de Graças foi celebrado individualmente pelas colônias e estados. Não foi até 1863, no meio da Guerra Civil Americana, que o presidente Abraham Lincoln proclamou o Dia de Ação de Graças nacional, que passaria a ser celebrado na última quinta-feira de cada novembro. Em 1941 o congresso americano mudou a celebração da última para a quarta quinta-feira de cada novembro.

Neste dia os americanos agradecem suas bençãos com uma refeição em família, que tradicionalmente inclui peru assado, stuffing (um tipo de farofa feita com cubos de pão torrado), purê de batatas, gravy (um molho grosso feito das raspas da assadeira do peru), algum legume da preferência da família ao forno, como vagem, aspargos ou couve de Bruxelas, gelatina de cranberry (não me pergunte por que, eu até compro pronta e ponho na mesa, mas aqui em casa ninguém gosta),e também é comum servir-se batata doce assada ou em purê. Como sobremesa são servidas tortas de maçã, de cereja, e principalmente de abóbora, entre outros doces acompanhados de café e chá.

Surpreendentemente este é o feriado em que os americanos mais viajam para estar com a família, e não o Natal como no Brasil. As passagens aumentam de preço, e mesmo assim os aeroportos ficam insuportavelmente lotados.

Vivendo aqui há tantos anos meu marido e eu adotamos o feriado, e nos sentamos para agradecer nossa saúde, nossa prosperidade e a união da nossa família, e para celebrar os frutos dos nossos esforços. Minhas filhas nasceram aqui, e quando eram menores faziam listas de agradecimentos na escola e traziam para casa, era uma graça. Obrigada Papai do Céu pelo papai, pela mamãe, pela Pipoca (nossa cachorrinha), pela minha casa, pelos meus brinquedos, pelas minhas vovós, pelos meus vovôs, pelos meus primos, pelos meus amiguinhos, pelos meus tios, porque a mamãe vai fazer pudim de leite e brigadeiro além de torta de abóbora, porque a mamãe concordou em pintar meu quarto de rosa (agora elas odeiam rosa), ah, e a mamãe mandou eu agradecer pela minha saúde.

Os colonizadores de Plymouth, Inglaterra – Raiz histórica do “Thanksgiving”

Em setembro de 1620, um pequeno navio chamado Mayflower partiu de Plymouth na Inglaterra levando 102 passageiros, incluindo uma variedade de separatistas religiosos que procuravam um novo lar onde eles pudessem praticar livremente sua fé, e outros indivíduos atraídos pela promessa de prosperidade e posse de terra no Novo Mundo. Após uma viajem traiçoeira e desconfortável que durou 66 dias, o navio ancorou perto da ponta de Cape Cod, extremo norte do seu destino pretendido, na foz do rio Hudson. Um mês depois o Mayflower cruzou a Baía de Massachusetts onde os peregrinos, como são comummente chamados aqueles colonizadores, começaram o trabalho de estabelecer uma aldeia onde hoje fica Plymouth, no estado de Massachusetts.

Durante o primeiro inverno, que foi brutal, a maioria dos colonizadores permaneceu a bordo do navio, onde sofreram de escorbuto, surtos de doenças contagiosas, e pela exposição ao frio. Apenas metade dos passageiros originais e dos tripulantes do Mayflower viveu para ver a sua primeira primavera na Nova Inglaterra. Em Março, os colonos remanescentes mudaram para terra firme, onde receberam a visita surpreendente de um índio Abenaki que os saudou em inglês. Vários dias depois, ele voltou com outro nativo americano, Squanto, um membro da tribo Pawtuxet que havia sido sequestrado por um capitão inglês e vendido como escravo. Ele conseguiu fugir para Londres e voltar para sua terra natal em uma expedição exploratória. Squanto ensinou os peregrinos, enfraquecidos por desnutrição e pelas doenças que os afligiram durante o inverno, como cultivar milho, extrair a seiva doce das árvores de bordo, pescar peixes nos rios, e evitar plantas venenosas. Ele também ajudou os colonos a forjar uma aliança com os Wampanoag, uma tribo local, aliança essa que perduraria por mais de 50 anos, e que tragicamente continua a ser um dos raros exemplos de harmonia entre colonos europeus e americanos nativos.

"The First Thanksgiving" (1915), by Jean Louis Gerome Ferris (American painter, 1863-1930)

Em novembro de 1621, após a primeira safra de milho bem sucedida dos peregrinos, o governador William Bradford organizou uma festa de celebração, e convidou um grupo de nativos norte-americanos aliados da jovem colônia norte-americana, incluindo o chefe Wampanoag Massasoit. Apesar de na época os próprios peregrinos não terem usado o termo “Thanksgiving” para o festival, que durou três dias, esta é considerada a primeira celebração do Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos. Não há um registro exato do cardápio do banquete histórico, mas Edward Winslow, um peregrino e cronista da época, escreveu em seu diário que em preparação para o evento o governador Bradford enviou quatro homens em uma missão de “fowling” (“fowling piece” é uma pequena arma apropriada para caçar aves e pequenos animais), e que os convidados Wampanoag trouxeram cinco cervos. Historiadores sugerem que a maioria dos pratos provavelmente foi preparada utilizando especiarias e métodos de cozimento tradicionais dos nativos americanos, porque os peregrinos não tinham forno. O estoque de açúcar do Mayflower tinha diminuído drasticamente até o outono de 1621, e portanto a refeição não deve ter incluido tortas, bolos ou outras sobremesas que fazem parte das celebrações contemporâneas.

Proclamação original de Abraham Lincoln estabelecendo a última quinta-feira de novembro como dia nacional de Thanksgiving

By the President of the United States of America.

A Proclamation.

The year that is drawing towards its close has been filled with the blessings of fruitful fields and healthful skies. To these bounties, which are so constantly enjoyed that we are prone to forget the source from which they come, others have been added, which are of so extraordinary a nature, that they cannot fail to penetrate and soften even the heart which is habitually insensible to the ever watchful providence of Almighty God. In the midst of a civil war of unequaled magnitude and severity, which has sometimes seemed to foreign States to invite and to provoke their aggression, peace has been preserved with all nations, order has been maintained, the laws have been respected and obeyed, and harmony has prevailed everywhere except in the theatre of military conflict; while that theatre has been greatly contracted by the advancing armies and navies of the Union. Needful diversions of wealth and of strength from the fields of peaceful industry to the national defense, have not arrested the plough, the shuttle or the ship; the axe has enlarged the borders of our settlements, and the mines, as well of iron and coal as of the precious metals, have yielded even more abundantly than heretofore. Population has steadily increased, notwithstanding the waste that has been made in the camp, the siege and the battlefield; and the country, rejoicing in the consciousness of augmented strength and vigor, is permitted to expect continuance of years with large increase of freedom. No human counsel hath devised nor hath any mortal hand worked out these great things. They are the gracious gifts of the Most High God, who, while dealing with us in anger for our sins, hath nevertheless remembered mercy. It has seemed to me fit and proper that they should be solemnly, reverently and gratefully acknowledged as with one heart and one voice by the whole American People. I do therefore invite my fellow citizens in every part of the United States, and also those who are at sea and those who are sojourning in foreign lands, to set apart and observe the last Thursday of November next, as a day of Thanksgiving and Praise to our beneficent Father who dwelleth in the Heavens. And I recommend to them that while offering up the ascriptions justly due to Him for such singular deliverances and blessings, they do also, with humble penitence for our national perverseness and disobedience, commend to His tender care all those who have become widows, orphans, mourners or sufferers in the lamentable civil strife in which we are unavoidably engaged, and fervently implore the interposition of the Almighty Hand to heal the wounds of the nation and to restore it as soon as may be consistent with the Divine purposes to the full enjoyment of peace, harmony, tranquility and Union.

In testimony whereof, I have hereunto set my hand and caused the Seal of the United States to be affixed.

Done at the City of Washington, this Third day of October, in the year of our Lord one thousand eight hundred and sixty-three, and of the Independence of the Unites States the Eighty-eighth.

By the President: Abraham Lincoln

William H. Seward,
Secretary of State

Bibliografia:

http://www.history.com/topics/thanksgiving

http://showcase.netins.net/web/creative/lincoln/speeches/thanks.htm