Não gosto de carne mal passada, DE JEITO NENHUM! Imagina só minha surpresa, quando logo que chegamos a Flórida, em nossa primeira mudança internacional, no primeiro jantar em casa de americanos – que deixe-me ressaltar, adoram aqueles filés de contra, com osso, bem grossos, e sangrando – meu marido ao ser questionado como preferia seu filé respondeu ao anfitrião:
– Eu prefiro entre ao ponto e bem passado, mas a Adriana adora carne mal passada.
Que amor de pessoa! Ele não queria encarar a carne crua, mas não queria fazer desfeita ao colega de trabalho. Então, quem foi para a berlinda? A mulher! Vê-se logo que já éramos casados havia alguns anos.
Fazer o que? Tive que encarar. Acho que nunca fui a um jantar mais desafiante, nem os banquetes chineses, que eu viria a conhecer anos mais tarde, me deixaram tão desgostosa. Deve ser por causa do baijiu.
Logo que chegamos fiquei encantada com a decoração de Natal da casa. Era começo de dezembro e eu nunca tinha visto nada remotamente parecido. Papai e Mamãe Noel na porta, guirlandas por todos os lados, fitas nos balaústres da escada, arranjos com velas em todas as mesinhas de canto e aparadores, e o mais impressionante, apesar do exagero, tudo era de bom gosto, e o conjunto me fez pensar que estava na casa do Papai Noel, lá no Polo Norte. O mais interessante é que o anfitrião era um americano fofinho de bochechas cor de rosa, só faltou a barba para completar o quadro.
O casal nos convidou para sentar na sala de estar e nos ofereceu um petisco. Um “dip” de espinafre, que hoje em dia eu faço em casa. A palavra dip significa literalmente mergulhar. Dips são molhos variados que acompanham salgadinhos e bolachinhas. Você pega a batata chips por exemplo, e mergulha num dip de queijo, coisa pouco calórica, sem dúvida, mas que é gostoso, isso é.
Pois bem, ficamos sentados na sala beliscando fatias de baguette acompanhadas de dip de espinafre por duas horas. Façamos a matemática da fome, eu havia almoçado um pequeno sanduiche sozinha em casa a uma hora da tarde, nós chegamos na casa deles, conforme o convite, as oito horas da noite, e ficamos jogando conversa fora por duas horas na frente de um potinho de sobremesa de dip e outro de fatias de baguette. Se somarmos todos estes fatores chegaremos ao resultado: fome de três dias. E detalhe, o tema principal da conversa foi como eu falava inglês tão bem, que eles nunca haviam encontrado brasileira que falasse inglês como eu. O que até ajudou um pouco com a fome, pois eu fiquei mordendo a língua para não responder que eu era uma mutante, pois na verdade no Brasil, a gente ainda anda nu pelas ruas e só fala tupiniquim ou espanhol.
Chegou um momento, que meus pensamentos irônicos não deram mais conta de distrair meu estomago colado nas costas, e perguntei, assim como quem não quer nada:
– Vocês costumam jantar tarde assim todos os dias?
– Não, nós jantamos as oito. Vocês estão com fome? É que nós fomos jantar em casa de Argentinos, e notamos que vocês costumam comer tão tarde.
O marido da fofa, que trabalhava com meu marido havia anos, percebendo a gafe tratou de esclarecê-la:
– Meu bem eles são brasileiros, não argentinos.
– Ah…
Finalmente fomos para a cozinha onde nossa anfitriã pegou um pacote de vagem congelada do freezer e colocou no micro ondas. Então fomos todos para o pátio onde nosso anfitrião nos mostrou sua churrasqueira todo orgulhoso. Churrasqueira aqui chama-se “grill” e é a gás. Ele então nos mostrou os T-bone steaks e acendeu o grill. Após uma elaborada apresentação, onde ele nos deixou saber que aqueles eram steaks especialíssimos, e que o certo era comê-los o mais mal passados possível, para saborear as nuances da carne, e que todas as vezes que ele foi ao Brasil ele achou que nós brasileiros ressecamos demais a carne, veio a declaração do meu marido que eu adorava carne mal passada. Show!
Eu voltei para a cozinha com a dona da casa pensando que ela iria refogar a vagem com algum molho qualquer, e qual não foi minha surpresa quando ela tirou o pacote plástico do micro, rasgou, despejou a vagem semi-cozida num prato, e levou para a mesa de jantar lindamente posta. Daí ela pegou outro pacote plástico da geladeira, abriu e despejou umas folhas de salada numa tigela, e levou também para a mesa. Pronto, ela avisou ao marido que o jantar estava servido.
Ele então trouxe os filés para a mesa como se fossem suflês preparados por um chef do Le Cordon Bleu, colocou o de cada um nos pratos a nossa frente, e voilà!
Se você somar a fome, a vagem crua e a salada mal apresentada, o filé sangrento acabou sendo comido com relativa facilidade.
Naquela noite eu aprendi o que é um churrasco americano, e a nunca ir a casa de estrangeiros que você não conhece bem, sem forrar o estomago antes. Ah, e meu marido dormiu na sala uns três dias.
Affff… que primeira impressão de chorar, hein? Agora, fala sério Adri, a anfitriã te confunde com argentina e você fica cheia de dedos em dizer que não come carne crua? Só mesmo sendo marinheira de primeira viagem! 🙂
Voltando ao assunto da carne, o ponto é uma questão de gosto pessoal. O meu maridão, que de americano não tem nada, por exemplo, come carne exatamente assim: bifes grossos “boi berrando”, como ele diz. E eu até aprendi que a carne totalmente assada é mesmo “sola de sapato”, bom mesmo é “no ponto”. Hummm, já estou ficando com fome…